quinta-feira, 31 de julho de 2008

Testes e trabalhos escolares 'contaminados' por linguagem de SMS e Messenger

A linguagem utilizada nas mensagens de telemóvel e nos programas de comunicação instantânea, como o Messenger, tem vindo a ser transportada pelos mais jovens para o contexto escolar, surgindo nos trabalhos e até nos testes.
«É certo que a língua não é homogénea e que os jovens utilizam abreviaturas e um estilo coloquial quando enviam SMS ou estão no Messenger mas, na comunicação escrita formal, devem seguir a ortografia em vigor», defende João Malaca Casteleiro, Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Todavia, a realidade é distinta já que os estudantes nem sempre estabelecem uma fronteira entre as formas de comunicação informal e a grafia a utilizar na sala de aula.
«Usei muito as abreviaturas, até mesmo nas fichas escolares. Por exemplo, em vez de 'porquê' colocava 'pk' e tirava todas as vogais da palavra 'contigo'», contou Carolina Lourenço, de 13 anos, à agência Lusa.
Segundo Simão Alvar, professor de Física e Química na Escola Secundária Domingos Rebelo, em Ponta Delgada, «se não há persistência em manter a correcção do Português por parte dos encarregados de educação e dos professores, os alunos tendem a enveredar por essa linguagem».
Alexandra Cabral, docente de Português na Escola Secundária Dom Manuel Martins, em Setúbal, também destacou à Lusa o papel de quem ensina, sustentando que «os alunos gostam de usar as abreviaturas porque acham que é giro e moderno mas só o fazem se os professores não retirarem pontuação ao trabalho».
«Quando isso acontece num primeiro trabalho e eu corrijo, não volta a verificar-se», assegurou.
Também a leccionar Português em Setúbal, na Escola Secundária do Viso, Ana Maria Pedro concorda que é importante os professores combaterem «a contaminação» causada pela linguagem usada nas mensagens de telemóvel e nos espaços de conversação digitais.
«Há três anos, assisti a uma autêntica praga de palavras alteradas e abreviadas mas os estudantes, quando verificaram que eram penalizados, começaram a ter mais atenção e agora até se autocorrigem», afirmou.
«Eu sei que o assunto chegou a ser abordado em conselho de turma», recordou, por seu turno, Simão Alvar, que já leccionou em Chaves e Ovar mas se deparou com o problema «sobretudo na Escola Básica e Secundária de São Roque do Pico», nos Açores.
Mafalda Afonso - que ensinou Psicologia e Filosofia durante cinco anos em Lisboa e é agora colega de Simão Alvar na Escola Domingos Rebelo - notou «uma maior tendência na capital e concelhos limítrofes».
Para a docente, «a proveniência dos alunos» pode ter influência nestes 'desvios da linguagem', pois «crianças com pouco acompanhamento familiar têm, por vezes, mais dificuldade em perceber o que é ou não aceitável em contexto escolar».
Na opinião de Mafalda Afonso, o surgimento da linguagem cifrada é mais evidente «quando os trabalhos são feitos em cima do joelho».
Já Renato Nunes, que ensina História na Escola Básica Integrada dos Biscoitos, na Ilha Terceira, Açores, declarou à Lusa que «nos trabalhos de casa ou nos trabalhos individuais para avaliação lá aparecem as palavras com caracteres trocados ou suprimidos, o que também sucede nos testes, embora aí seja mais raro».
Este professor considera que algumas opções feitas pelos estudantes são incompreensíveis, «pois há apenas uma troca de letras, sem nenhuma economia».
Beatriz Seves, aluna da Escola Secundária Dom Manuel Martins, em Setúbal, reconhece essa falta de lógica, tendo declarado à Lusa que «não faz muito sentido escrever 'axxim' em vez de 'assim' ou colocar um 'k' no lugar do 'c', já que não se está a abreviar nada, apenas a substituir letras».
No seu caso, é mais comum o uso de 'às x' em vez de 'às vezes' ou 'tb ctg' quando quer perguntar 'tudo bem contigo'.
O ponto de interrogação não figura no final da frase porque, nesta escrita, «quase não se usa pontuação», explicou à Lusa.
«Recentemente, ao fazer um trabalho com uma prima minha, dei por mim a pôr tudo em abreviaturas», revelou ainda a estudante de 12 anos, que referiu as inúmeras 'potencialidades' desta nova linguagem.
«Eu e os meus colegas já estamos tão habituados a abreviar e a alterar que fazemos o mesmo com o Inglês, escrevendo 'yer' em vez de 'your' [palavra inglesa que significa 'teu']», exemplificou, acrescentando que «até a falar isso se nota».
«Já nem me imagino a dizer tudo certinho», concluiu Beatriz Seves.
Lusa