Era uma noite nórdica, loira e calma. No meio do mar o TITANIC vestia-se para a festa. As senhoras passeavam-se no convés ostentando jóias e sorrisos. Os cavalheiros, de smoking, saboreavam cognacs e havanos. A orquestra animava o baile inaugural do paquete mais moderno e mais seguro do mundo. O champanhe corria a rodos e a lua iluminava a efémera felicidade daqueles rostos.
Inesperadamente, um terrível estrondo. O TITANIC cambaleou e, do porão, subiram jactos de água. O pânico instalou-se por dentro da confusão da gritaria. Lentamente o barco afundou-se a pique nas entranhas do mar.
Tudo naquela viagem tinha sido cientificamente estudado, previsto e programado. Menos aquele iceberg gigantesco do qual – como aprendemos na escola – apenas se via uma quinta parte. Ele andava por ali a rondar, à espreita. Mas, nos festejos da festa, ninguém o pressentiu, ninguém o viu no fundo dos binóculos.
E no entanto, colossal, ele estava lá.
***
Portugal está a bater no fundo. E não é de agora, já vem de longe, de muito longe.
Mas só agora, quando o icebergue da crise internacional destapou a realidade das contas do País, é que nos demos conta do tamanho do rombo que nos ameaça.
Não adianta nada estar agora a fazer julgamentos sumários, a atirar pedras aos que estão mais à mão, ou a apontar culpados. Porque, no fundo – uns mais, outros menos – todos fomos e somos responsáveis (excepto naturalmente aqueles cujas vidas já se afundavam mesmo antes do naufrágio).
O erro fatal foi a confusão que fizemos entre Liberdade e Prosperidade. É que a Liberdade não é nenhuma árvore das patacas. E pensámos que era.
Quando entrámos para a Europa fizemo-lo como se fosse uma espécie de seguro de vida contra as ditaduras. E isso nos bastava. Eu era deputado na altura. E confesso que na minha cabeça – como na dos outros – não dominava a ideia de que, com a adesão, Portugal viria a ser inundado com rios de dinheiro durante muitos anos.
E o que fizemos desses biliões?
Os subsídios à agricultura – em vez de servirem para a sua modernização – foram desbaratados em jeeps e vivendas no Algarve. E a CAP, que agora tanto barafusta, o que fez para o impedir?
E quanto à “formação” dos trabalhadores portugueses, o que aconteceu? – Cursos fantasmas e virtuais, onde muita gente se encheu de dinheiro e ninguém aprendeu coisa nenhuma. E os sindicatos – que agora até vão fazer uma greve nacional – o que é que então fizeram para moralizar este forrobodó?
E quantos barcos de pesca os subsídios europeus mandaram para o fundo, deixando Portugal a importar 70% do peixe que consome?
E os filantrópicos bancos a oferecerem cartões de crédito a tudo o que mexia: Uma casinha nova? Um carrinho de último modelo? Uma viagenzinha ao Brasil? Era o “gaste agora e pague depois”!
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É um injusto erro pensar que Portugal é o único e mau exemplo da excepção à regra. Não é. Então a Islândia não era o país mais rico do mundo? E a Irlanda não era o exemplo do país modelo? E a Espanha, aqui tão perto, não era para nós motivo de inveja e frustração? E a Grécia? E a Itália? E a Inglaterra? E os Estados Unidos?
Como na história do TITANIC – embora viajando em camarotes diferentes – todos os passageiros iam no mesmo barco. E todos se afundaram juntos.
Bem sei que o mal dos outros não deve servir-nos de consolo. Mas, pelo menos, é reconfortante sabermos que não estamos sós. Ou, como dizem as canções, “não, não sou o único” … “afinal havia outra”.
Porque todos cometemos os mesmos erros. Porque todos embarcámos nos TITANICS das ilusões. Porque todos fomos gastando o que não podíamos. E há muito que se acabaram as especiarias das Índias, o ouro do Brasil, a exploração das colónias. Ponto final.
Porque chegámos onde chegámos?
Simplesmente porque andámos muito tempo a divertirmo-nos nos luxos do TITANIC, o barco mais seguro do mundo. E porque nunca acreditámos em icebergues.
Ps:- Se foi possível ir buscar os mineiros chilenos ao fundo da mina, também é possível saírmos do buraco onde nos metemos. É possível. Mas é preciso tempo – muito tempo – muito trabalho, e muita perseverança.
Por: José Niza
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